Por Rômulo Monteiro Stenstrasser.
Prática amplamente difundida no Brasil, o leilão, oriundo ou não de processos judiciais, se trata de uma modalidade de compra e venda muito procurada por pessoas que buscam adquirir bens móveis e imóveis por preços mais atraentes que o habitual.
Nos casos de aquisições de imóveis, os compradores, como em qualquer outra modalidade de compra, sujeitam-se a determinados encargos, como despesas no registro do bem e ao pagamento de tributo incidente na aquisição.
Trata-se do Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis "Inter-Vivos", ou simplesmente ITBI, tributo de competência municipal, previsto constitucionalmente (art. 156, II) cobrado pelos Municípios na transferência de propriedade do bem.
A legislação federal, a partir do art. 38 do Código Tributário Nacional, é precisa em determinar que o imposto incide sobre o valor venal do imóvel que estiver sendo transferido.
No que diz respeito ao valor venal, seu conceito, em tese, é claro. Segundo os dicionários de língua portuguesa Michaelis[1] e Aulete[2], o vocábulo “venal”, na hipótese em questão, se trata de um adjetivo relativo à venda, que pode ser vendido.
O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, há muito assentou jurisprudência no sentido de que o valor venal previsto no art. 38 do CTN é o real valor de venda do bem (AgInt no AREsp 1176337 / SP, entre tantos outros).
O que é rodeado de incertezas, no entanto, é a forma de aferição do valor venal, dada a falta de literalidade na Lei Federal sobre os aspectos que devem ser levados em consideração. Assim, o valor venal acaba correspondendo a uma estimativa de preço realizada pelo Poder Público, baseada em fórmulas próprias e variadas, estipuladas por cada um dos entes tributantes, os Municípios.
Geralmente, o valor venal calculado pelos Municípios acaba sendo inferior ao valor pelo qual o imóvel tenha sido adquirido, afastando qualquer insurgência dos contribuintes quanto a base de cálculo do ITBI.
O que gera controvérsias, entretanto, é a utilização da estimativa fiscal como base de cálculo do ITBI, na hipótese de arrematação de imóvel em leilão, cujo valor da aquisição tenha sido menor que o valor da avaliação.
Notadamente, o conflito entre contribuintes e Municípios diz respeito a qual o valor venal do imóvel arrematado em leilão, que deve servir de base de cálculo do ITBI.
O Município de Caxias do Sul, por exemplo, estabelece em seu Código Tributário Municipal (LC 12/1994), que nos casos de arrematação, a base de cálculo do ITBI corresponde ao valor da avaliação fiscal, quando esta for superior ao valor pago pelo contribuinte.
No ponto, notória a contrariedade do Município, ao estabelecer como base de cálculo do ITBI o valor pago pelo contribuinte, quando este for superior ao da avaliação.
Ora, o critério utilizado pela Municipalidade corresponde, resumidamente, na utilização do valor que for mais alto, entre o da avaliação e arrematação, ignorando por completo o conceito de “valor venal” definido por Lei.
O contribuinte, por sua vez, fica de mãos atadas, eis que sua mera discordância não é suficiente para que o Município altere a forma de cobrança.
Entretanto, no âmbito do Poder Judiciário, a jurisprudência há muito se posiciona no sentido de que é o valor da arrematação que deve ser utilizado como a base de cálculo do ITBI, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
No Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o entendimento não é diferente, conforme se observa:
Dessa forma, a despeito da legislação própria dos Municípios, os contribuintes que se sentirem lesados, podem socorrer-se ao Poder Judiciário para que seja revisada a base de cálculo do ITBI nos casos de arrematação de imóvel em leilão, inclusive, sobre valores já pagos, observando-se o prazo prescricional.
Há de se salientar, no entanto, que o entendimento jurisprudencial exarado pelos Tribunais faz ressalva aos casos em que resta configurada arrematação por preço vil, hipótese em que o imposto deveria ser calculado pela estimativa fiscal.
De todo modo, cabe ao Judiciário estabelecer, caso a caso, a configuração de eventual alegação de preço vil aduzida pelos Municípios, não se tratando de um impeditivo ao direito de ação dos contribuintes que buscam recolher o ITBI pelo valor correto.
[1] Visto em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/venal/> Acesso em: 22/07/2021.
[2] Visto em: <https://aulete.com.br/venal> Acesso em: 22/07/2021